Escrito por Matheus Ferreira
Publicada em 22/09/2020 ·
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A sociedade está cada vez mais integrada à tecnologia. Porém, os diversos equipamentos utilizados para trabalho, lazer ou mesmo atividades cotidianas requerem energia elétrica e, por consequência, observa-se um aumento da demanda por este recurso. É um fato conhecido que a geração de eletricidade pode ser uma atividade com diferentes níveis de impacto ambiental dependendo da fonte e tecnologia de geração utilizada. Assim, diante do aumento da demanda, faz-se necessário pensar maneiras ambientalmente sustentáveis de garantir a oferta por este recurso. Uma solução que é com frequência apontada são as energias renováveis, vistas como ambientalmente limpas e sustentáveis.
Atualmente, há uma forte expansão da adoção destas fontes no Brasil e em muitas partes do mundo. Uma das mais presentes e com grande potencial de crescimento dentre as renováveis é a energia solar fotovoltaica. Os motivos de tal sucesso se devem a alguns fatores como o preço em queda dos equipamentos envolvidos, a escalabilidade que permite sua utilização desde pequenos projetos residenciais até usinas capazes de abastecer um grande número de residências e também os incentivos e benefícios econômicos vistos em diversos países para a adoção desta fonte de geração, como, por exemplo, a redução na conta de energia. Desse modo, ao longo das primeiras décadas deste século, o número de painéis fotovoltaicos produzidos e em utilização aumentou consideravelmente, tendência que provavelmente só irá se intensificar ao longo dos próximos anos. Em 2020, de acordo a ANEEL, o Brasil já possui mais de 5.700MW de potência instalada proveniente de sistemas fotovoltaicos, o que significa dezenas de milhões de painéis em uso. Surge deste modo o questionamento: o que fazer com os resíduos resultantes destes painéis após o fim da sua vida útil?
Para responder a esta questão é interessante primeiro entender como são produzidos os painéis, qual sua vida útil e que tipo de resíduos ele gera após o descarte. De modo simplificado, podemos dizer que um painel é composto por uma parte estrutural, composta de vidro, alumínio e polímero; uma parte responsável pela geração de energia, que é a célula fotovoltaica, composta por material semicondutor e uma série de outros elementos em pequenas quantidades; e a caixa de junção, composta por invólucro plástico e condutores elétricos, responsável pela conexão elétrica.
Figura 1: Componentes básicos de um painel fotovoltaico. Fonte: Portal Solar.
O processo de fabricação é bem mais complexo do que a simplificação apresentada aparenta e envolve diversos processos químicos, metais valiosos e também alguns que são tóxicos. Entram na fabricação materiais como prata, titânio, cádmio, chumbo, cobre, entre outros, muitos dos quais são custosos e de suprimento não abundante no planeta. Em relação a vida útil, um painel de alta qualidade tem uma vida operacional estimada em pelo menos 25 anos, sendo que após este prazo o equipamento provavelmente ainda funcionará, mas com menor capacidade de geração, podendo ainda ser utilizado por mais alguns anos. Os painéis fotovoltaicos são tradicionalmente classificados como lixo eletrônico, um dos tipos de maior crescimento e cuja gestão e processo de reciclagem ainda são complexos e custosos dada as características dos materiais envolvidos.
Percebe-se, portanto, que a gestão dos resíduos provenientes de sistemas fotovoltaicos se tornará uma importante questão em um horizonte de poucas décadas tanto no Brasil quanto em outras partes do mundo. Época em que uma crescente quantidade de sistemas começará a atingir o fim de sua vida útil. O descarte, se for feito de modo inadequado, como por exemplo, em aterros, significará o desperdício de materiais nobres e de disponibilidade limitada, além de potencial contaminação dos solos e da água com elementos tóxicos. Por outro lado, conforme um maior volume de resíduos passa a formar um fluxo mais robusto e constante, se torna mais viável implementar as técnicas de reuso e reciclagem a estes materiais.
As propostas para reciclagem de painéis fotovoltaicos ainda são um campo em desenvolvimento e experimentação, porém já há técnicas. Em todos os casos, a viabilidade econômica é um fator determinante para o sucesso ou fracasso, uma vez que a opção mais barata e de menor investimento é o descarte inadequado. Portanto, as propostas buscam atingir um retorno financeiro, permitindo gerar valor a partir da recuperação e/ou reaproveitamento dos materiais provenientes dos painéis.
Figura 2: Composição em massa dos painéis. Fonte: [2].
Entre as propostas, existe a da recuperação do alumínio e vidro que compõe a estrutura, os quais representam a maior parte da massa e que tem processos de reciclagem já bem definidos e consolidados, sendo a proposta de mais fácil implementação. Porém, esta solução sozinha não resolve a questão principal, pois a maioria dos materiais raros e tóxicos se encontra relacionado as células e representam uma pequena parte da massa total dos painéis. Para tratar deste aspecto, há técnicas propostas para permitir uma desmontagem de modo que seja possível recuperar e reutilizar as células solares em bom estado, assim elas podem ser utilizadas para construção de novos painéis com desempenho semelhante ao de um equipamento novo. Há ainda outras propostas relacionadas a recuperação de parte dos materiais componentes da célula, permitindo reintroduzi-los como matéria prima para fabricação de novos componentes, o que é importante considerando que parte das células sempre estará inviável para o reuso direto.
Todas as propostas são relevantes, no sentido de que cada uma delas resolve diferentes aspectos da questão. Contudo, muitas destas proposições ainda não foram implementadas em larga escala em função da quantidade ainda pequena de resíduos fotovoltaicos, além de que as próprias técnicas ainda possuem espaço para otimização de seus processos. Em diversos países há estudos que buscam fazer predições em relação aos custos envolvidos e a quantidade de resíduos necessária para tornar tais técnicas economicamente viáveis. O estudo no Brasil em relação aos resíduos fotovoltaicos ainda é um campo aberto a contribuições. Há bastante espaço para que soluções sejam propostas de modo a garantir que quando este problema se torne relevante já existam protocolos e planos para cadeias de logística reversa que possam lidar com tais resíduos.
Artigo escrito por Matheus F. S. de Vasconcelos, estudante do 9º período de Engenharia Elétrica e bolsista do Programa de Educação Tutorial no curso de Engenharia Elétrica da Universidade Federal do Piauí.
[1] Bezerra, Jordy L. , Lira, Marcos A. T. , Silva, Elaine A. ; Avaliação do ciclo de vida aplicada a painéis fotovoltaicos. VII Congresso Brasileiro de Energia Solar. Gramado, 2018.
[2] Mahmoudi, S. , Huda, N. , Behnia, M. ; Photovoltaic waste assessment: Forecasting and screening of emerging waste in Australia. Resources, Conservation & Recycling, ed. 146, pgs 192-205, 2019. Elsevier.
[3] Dubey, S. , Jadhav, N. Y. , Zakirova, B. ; Socio-Economic and Environmental Impacts of Silicon Based Photovoltaic (PV) Technologies. PV Asia Pacific Conference 2012. Energy Procedia, ed. 33, pgs 322-334, 2013.